Pikes Peak: a montanha decide

As apostas são altas, poucos ganham, muitos perdem e aquela história de que o importante é competir não serve para mim!

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Rafael Paschoalin
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Se você acompanha o WM1 já deve ter lido algo que escrevi. Meu nome é Rafa Paschoalin e sou piloto Webmotors de Road Racing, as corridas de rua. Na prática, significa que eu rodo o mundo atrás das competições de motociclismo mais perigosas do universo.

A história de hoje é recente. Pikes Peak International Hill Climb é a subida de montanha mais tradicional que existe. Como segunda prova automobilística mais antiga dos EUA, pilotos audaciosos vão ao estado do Colorado desde 1916 para desafiar o trajeto de 20 km e 156 curvas que já foi totalmente de terra, depois ficou meio a meio e hoje está 100% asfaltado.

Rafael Paschoalin
Rafael Paschoalin em Pikes Peak
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Essa foi a minha terceira participação no evento e, depois de um segundo lugar no ano passado, competindo na classe Middleweight de motocicletas com uma Yamaha MT-07, eu realmente esperava voltar de lá com o caneco de primeiro lugar já que fui para a luta de MT-09, uma máquina muito mais potente. Mas a verdade é que a sorte e o destino se uniram para me dar algumas lições nessa edição e os 20 dias que passei na terra do Tio Sam foram mais como aqueles cursos de vida onde eu evoluí como ser humano depois de apanhar feito Rocky Balboa!

 São 20 km e 156 curvas
Rafael Paschoalin
Legenda: São 20 km e 156 curvas
Crédito: Larry Chen
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Vamos do início. Pikes Peak não é tão veloz quanto a Ilha de Man, por exemplo. Mas é tão difícil quanto, pois não tem muito tempo para treino e pouquíssimas referências para memorizar cada uma das 156 curvas. Isso significa que qualquer um que queira se aventurar por lá precisa assistir muitas e muitas horas de vídeo on-board combinadas com PlayStation 4. Essa parte eu fiz bem e de forma metódica imprimi mapas em folhas A4 e anotei referências a cada curva.

Outro ponto importante diz respeito a máquina. Não é fácil acertar o setup para uma pista que tem asfalto a 14ºC na largada e 0ºC na chegada. A pressão atmosférica também muda radicalmente pois a diferença de altitude é brutal. Máquina e homem perdem rendimento e manter o foco a quase 4.500m de altura é uma tarefa árdua, mas eu estava calejado disso tudo. Quanto a minha MT-09, prepará-la para se tornar uma devoradora de curvas e enrugadora de asfalto foi uma das partes mais legais do projeto. Com 130 cv na roda e mais de 10 kgf.m de torque, o tempo de 1min42seg que consegui em Interlagos durante uma etapa do Campeonato Superbike Brasil me deu indícios de que tudo caminhava ´rumo ao sucesso.

Rafael Paschoalin
Yamaha MT-09 com cobertores de pneus para auxiliar na aderência do asfalto gelado
Crédito: Larry Chen
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Trabalhar sem cometer erros, correr para o abraço e colher os frutos do empenho de uma galera incansável era o plano para os dias em Colorado Springs, Estados Unidos. Nada poderia ficar tão longe dos fatos que seguiram. Na real, nós descobrimos um novo patamar para o status cansado, e por conta de um selo mecânico (que custa 0,60 USD) do nosso comando de válvulas especial, danificamos o meu motor antes mesmo de começar o evento, quando fazíamos um teste pré-evento em uma pista nas proximidades.

Uma grande movimentação dentro da fábrica da Yamaha e um amigo premiado com uma viagem grátis para os EUA significaram as peças necessárias para a montagem do meu motor. Claro que não foi tão simples assim, e até chegarmos nessa parte da história, já tínhamos aberto o motor algumas vezes. Nossa média de descanso era de 5 horas a cada 2 dias.

 Rafael Paschoalin em Pikes Peak 
Rafael Paschoalin
Legenda: Rafael Paschoalin em Pikes Peak 
Crédito: Larry Chen
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Lembra quando eu falei que as dificuldades da subida de montanha eram a falta de treino e o asfalto gelado? Como perdi o dia de classificação, o que significa um importante dia a menos de treino, fui automaticamente o primeiro a largar no domingo, precisamente as 8 horas da manhã com 22 libras no meu Pirelli Supercorsa SC2 traseiro e 29 libras no SC1 dianteiro. Mais do que ar comprimido, é preciso encher de fé os pneus, que fazem toda a diferença entre você chegar ao topo ou virar uma estatística.

Moto finalmente pronta, eu larguei agressivo no primeiro setor, onde o asfalto acolhia confortáveis 15ºC. A ideia era carregar o máximo de temperatura morro acima, garantindo assim um pouco mais da valiosa aderência. Não cometi muitos erros na primeira fase, mas você pode me ajudar conferindo a minha volta on-board aqui. O meu problema começou realmente no setor que mais gosto, chamado de 'Parque de diversões do Diabo'. A sequencia de cotovelos com área de escape em forma de abismo é divertida e amedrontadora na mesma intensidade. Foi nesse momento que comecei a sentir a falta de aderência oriunda do asfalto gelado. Até olhei para o pneu traseiro com a certeza de que ele estava murcho (isso me ocorreu no primeiro ano em Pikes Peak), mas a pressão ainda estava ali e nas curvas seguintes a minha cabeça foi inundada de incertezas.

Geralmente nós pilotamos pensando na próxima curva, olhando adiante para prever cada obstáculo, que em Pikes Peak podem ser marmotas, ursos ou uma pista congelada. Mas eu só pensava em tudo o que tinha acontecido desde que eu tinha chegado nos EUA e a minha confiança, que eu tenho bastante aliás, foi minando metro após metro.

 Rafael Paschoalin
Rafael Paschoalin
Legenda: Rafael Paschoalin
Crédito: Larry Chen
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Eu nunca desisto, e isso pode ser confundido com teimosia em certos momentos. Mas a minha sensação enquanto eu percorria o setor final da montanha era de que a missão desse ano era chegar são e salvo no topo. Acredito que nada acontece por acaso, tudo tem um propósito e uma razão de ser. Claro que eu não estava com essa serenidade budista quando descobri que só melhorei 4s em relação ao ano anterior. A frustração veio ainda mais forte quando meu concorrente e o maior vencedor de Pikes, Davey Durelle, terminou a prova se queixando da aderência e com um tempo apenas 2s mais rápido que o meu!

Ficou claro que temos muito trabalho de agora em diante. Chris Fillmore, o recordista absoluto atual bateu também o recorde da minha categoria e foi um dos únicos caras a subir realmente rápido a montanha nesse ano. Como diz meu filho, que venha a TPPP (Tensão Pré Pikes Peak) e lá vamos nós de novo trabalhar ainda mais para cravar a bandeira brasileira no topo em 2019. Isso se a montanha decidir que sim, obviamente!

Rafael Paschoalin momentos antes da largada  
Crédito: Larry Chen
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