Interlagos, 80 anos, a maior das escolas

O traçado original de 8 mil metros teve grande importância na formação das gerações de campeões brasileiros

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Livio Oricchio
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Suponha que você esteja fazendo uma enquete no paddock da F1 e os pilotos se mostram disponíveis para responder a sua pergunta: o que você mais gostaria que existisse em um circuito?

Alguns diriam curvas de alta velocidade, aquelas onde os pilotos prendem a respiração antes e os mais corajosos e habilidosos ganham dois, três décimos em relação aos adversários.

Outros destacariam a existência de aclives e declives em zonas de frenagem, após longos trechos de aceleração, tornando-as difíceis de parar o carro ou acelerá-los.

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Há os que preferem curvas lentas, onde mesmo com um carro que não seja tão eficiente um bom piloto consegue ser rápido, por depender menos da aerodinâmica e mais da mecânica.

Sem dúvida a maioria gosta de retas longas para realizar ultrapassagens.

Outros, optariam pela inclusão de uma curva longa, preferencialmente de raio alternado.

Mais: que o traçado seja extenso, com vários tipos de curvas, tempos de volta superior a dois minutos.

Muito bem, esse circuito ideal, com oito quilômetros de extensão, capaz de atender a todos os gostos e, de fato, seletivo ao extremo para pilotos e carros, existiu de 1940 a 1989. A área onde estava inserido, ou seja, o autódromo, celebra nesta terça-feira 80 anos de vida. Parabéns, Interlagos!

Conheça um pouco mais

As curvas 1 e 2 antigas estavam dentre as mais velozes do calendário da F1. A Curva do Lago era uma subida forte. A lenta Curva do Sargento encontrava-se depois de uma reta em descida. A sequência S antigo, Pinheirinho e Bico do Pato formavam o trio de curvas lentas.

Autódromo de Interlagos - Pinheirinho
O Pinheirinho do antigo circuito formava o trio de curvas lentas do Autódromo de Interlagos
Crédito: Reprodução
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O Retão original tinha 800 metros para o piloto manter o pé em baixo. A Reta Oposta, 500 metros. A Curva do Sol parecia não acabar e tinha dois pontos de tangência, por ser de raio alternado.

Some tudo isso e você tem um circuito completo.

Na última edição do GP Brasil de F1 disputado no circuito quase original de Interlagos, em 1980, com 7.960 metros de extensão, o francês Jean Pierre Jabouille, com Renault turbo, estabeleceu a pole position com o tempo de 2min21s4, média de 202,6 km/h.

Mas o vencedor foi o seu companheiro de equipe, outro francês, Rene Arnoux, que completou as 40 voltas da corrida em 1hora40min01s35, à média de 188,9 km/h.

Interlagos 80 anos: autódromo foi modernizado e recebe o GP do Brasil de F1 desde 1990
Crédito: Reprodução
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A pista que surgiu depois da grande reforma de 1989 para a F1 voltar a São Paulo, depois de nove edições seguidas em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em quase nada lembra a existente no mesmo autódromo.

Reforma necessária

Não seria mesmo possível conciliar as reduzidas áreas de escape do traçado original com as exigências de segurança e funcionalidade operacional da F1 mais moderna. Algo precisava ser feito.

Desse trabalho emergiu o atual circuito de 4.309 metros e a construção de uma série de edificações. Seu resultado do ponto de vista da seletividade é bastante questionável, mas não há como negar que as corridas disputas nessa pista curta estão dentre as mais emocionantes do campeonato.

Hora de uma revisão

Isso não inviabiliza que a Prefeitura de São Paulo e a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) enviem para a FIA um projeto de ampliação do atual traçado para a inserção de um trecho de alta velocidade, tão necessário para a formação dos jovens pilotos brasileiros.

Há várias opções de novos traçados que manteriam as qualidades do existente e, ao mesmo tempo, atenderia a outros interesses.

Reforma foi necessária para atender às novas normas da F1, mas não impede a inserção de trechos mais velozes
Crédito: Divulgação
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O principal deles é dar a oportunidade aos pilotos que iniciam sua carreira no Brasil de praticar o automobilismo em uma pista onde há segmentos de alta velocidade e não somente curvas de baixa ou, no máximo, média velocidade, como é o caso do traçado atual de Interlagos.

A razão do sucesso

Certa vez perguntei a Emerson Fittipaldi de onde vinha seu estilo elegante de pilotar, mexer no volante o mínimo possível, sempre sutilmente, manter as rodas voltadas para a frente ao máximo, para melhor aproveitar a potência, ser gentil com o acelerador nas saídas de curva, para bem tracionar, e dosar o uso do pedal do freio, para reduzir a velocidade no menor espaço, sem travar as rodas.

É importante lembrar que esse estilo inegavelmente eficiente de pilotar lhe deu dois títulos mundiais na F1, um na F Indy e duas vitórias nas 500 Milhas de Indianápolis.

O Autódromo de Interlagos original foi escola para uma geração vencedora de pilotos brasileiros
Crédito: Reprodução
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Atente à resposta de Emerson: “Vem da necessidade que não apenas eu, mas de todos os pilotos que competiam em Interlagos, nos anos 60, o berço do automobilismo, de tirar o máximo de velocidade daqueles carros equipados como motor de 100 cavalos, sem recursos”. Riu muito a seguir.

Dá para entender? Em uma pista com maioria de curvas de raio longo, velozes, e um carro de bem pouca potência, quanto mais você mantiver as rodas alinhadas para a frente, menos giros do motor você vai perder, melhor estará transformando aqueles poucos cavalos em deslocamento do veículo.

Mais de Emerson: “Nós quase não usávamos os freios, era muita pista para pouco carro”, mais risos.

Pilotar na gentileza

Nelson Piquet, outro frequentador de Interlagos, me disse: “Você não tinha de ser contido para mexer apenas no volante, o mesmo valia para todos os demais comandos, os pedais e a alavanca de câmbio. Pilotar na gentileza”.

Emerson competiu, nos anos 1960, com Renault Gordini, Berlineta Interlagos, Fórmula Vê, dentre outros, nos oito quilômetros de Interlagos, antes de embarcar para a Inglaterra, em 1969.

Clay Regazzoni, com Ferrari, e Emerson Fittipaldi, McLaren, na curva do Laranja original durante o GP do Brasil de 1975
Crédito: Reprodução
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E de cara ser campeão de F Ford e F3, para já no ano seguinte estrear na F1 e na quarta corrida conquistar sua primeira vitória, em Watkins Glen, nos Estados Unidos, pela Lotus.

Piquet correu em Interlagos de Fórmula Super Vê, nos anos 1970. Foi para a Europa em 1977, tendo sido terceiro no Europeu de F3 e campeão britânico no ano seguinte. Nesse mesmo ano, 1978, Piquet já estreou na F1, onde conquistaria três títulos mundiais.

Universidade de campeões

Além de Emerson e Piquet vários outros grandes pilotos se formaram no traçado original de Interlagos, uma grande escola, e fizeram sucesso no exterior, verdadeiros campeões. Exemplos: Raul Boesel, Gil de Ferran, Rubens Barrichello, Christian Fittipaldi, dentre outros.

Jorge Lettry, lendário chefe da equipe Vemag, nos anos 60, me disse em 2005, pouco antes dos 50 anos das Mil Milhas Brasileiras: “Se você era capaz de ser rápido em Interlagos, o velho Interlagos, você era capaz de ser rápido em qualquer outra pista do mundo, por ter todo tipo de desafio que um piloto enfrenta nos circuitos”.

O traçado foi projetado pelo engenheiro britânico Louis Romero Sanson, dono da construtora Auto Estradas, responsável por tornar o projeto do autódromo uma realidade. O terreno de um milhão de metros quadrados, entre as represas Bilings e Guarapiranga, daí o nome Interlagos, era de sua propriedade.

Salvo pelo gongo

Poucos sabem. Cerca de 12 anos depois da inauguração de Interlagos, em 1952, o grupo que administrava a construtora decidiu lotear a área do autódromo. As corridas que ali existiam eram muito amadoras, não havia sequer montadoras de automóveis no Brasil.

As diferenças entre os taçados antigo e novo do Autódromo de Interlagos
Crédito: Reprodução
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Foi aí que entrou em cena Wilson Fittipaldi, pai de Emerson e Wilsinho, radialista e promotor de competições no autódromo. Foi sua perseverança na luta para levar a Prefeitura de São Paulo a comprar o autódromo que o salvou. Desde então, portanto quase 70 anos, Interlagos é um bem público, pertence à prefeitura.

Senna decepcionado

A versão curta da pista, de 4.309 metros, de 1989, foi uma criação mista entre o delegado da FIA, o belga Roland Bruynseraede, o presidente da CBA, Piero Gancia, o administrador do autódromo, Chico Rosa, e a opinião de personagens do automobilismo, como ninguém menos de Ayrton Senna.

Mas bem ao contrário da lenda popular, sua sugestão para o hoje “S do Senna” não era para ser como fizeram, uma curva onde o piloto se aproximava, em 1990, em sexta marcha, percorria a primeira perna do S em segunda e já antes da segunda perna inseria a terceira marcha.

Senna foi ver pessoalmente as obras de modernização da pista, mas ficou decepcionado
Crédito: Reprodução
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Alguém pode imaginar um piloto como Senna desejar um curva de segunda marcha, contornada a 90 km/h?

Estava em Interlagos no dia em que Senna foi visitar a obra da reforma, em novembro de 1989. Chegou com seu helicóptero. Chico Rosa também viu a reação do piloto ao ver o traçado do S já definido, esperando a última camada de asfalto: “Não é isso que eu falei. Eu sugeri uma curva de alta velocidade, em descida, unindo a entrada da curva 1 (original) com o Sol, lá em baixo. Isso aqui ficou muito lento”.

Curiosamente Senna nunca disputou uma corrida no circuito original. Depois de competir no kartódromo de Interlagos, Senna foi correr na Inglaterra, em 1981, F Ford 1600, F Ford 2000 e F3 antes da F1, a partir de 1984.

A história de Interlagos é tão rica que poderíamos nos estender indefinidamente para contá-la.

O S do Senna do traçado atual de Interlagos: curva lenta, ao contrário da sugestão do tricampeão
Crédito: Divulgação
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