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De moto no Himalaia – parte 1: o sonho

Fomos convidados a pilotar a Royal Enfield Himalayan no topo do mundo

por Karina Simões

Esta história começou muito antes dela, de fato, começar. A afirmação é confusa? Eu sei. Depois desta história, ressignifiquei a palavra “confusão” no meu vocabulário. Sendo assim, não faria sentido começar a contá-la de uma maneira menos confusa.
A Webmotors foi convidada pela Royal Enfield a participar do Moto Himalaya 2018, um tour pelas montanhas do Himalaia a bordo de um dos modelos do line-up da lendária montadora. Em 2017, dois colegas jornalistas foram convidados a participar do feito. Meus olhos brilharam, mas tive que acompanhar tudo à distância e “viver” a experiência através deles.
Em 2018 chegou a minha vez. Eu seria a primeira brasileira a pilotar uma motocicleta naquelas montanhas. O grupo não seria formado por jornalistas como no ano anterior mas sim por 25 clientes Royal Enfield de vários lugares do mundo. As feições eram distintas e as bandeiras multicoloridas: Tailândia, Austrália, Colômbia, Estados Unidos, Guiana, Escócia, Filipinas, Índia, e, claro, Brasil.

Pré-viagem
A maratona começou assim que aceitamos o convite da Royal Enfield. Organizar-se para uma viagem de moto em um lugar extremo como Ladakh, na Índia, não foi tão simples como eu imaginava. Primeiro, a saga do visto indiano. Cada funcionário do consulado me passava uma informação diferente. Quase desisti da viagem ali mesmo, mas foi um bom treino para o que viria pela frente. Pedi o visto de jornalista, afinal, seria uma viagem de trabalho, mas eles não quiseram emitir. Voltei no outro dia para pedir o de turismo, então eles me falaram que tinha que ser o de jornalista, e assim comecei meu intenso e confuso relacionamento com os indianos...  Depois de três idas ao consulado consegui, enfim, a aprovação para o visto J-2, de jornalista.

A segunda parte do processo foi a preparação do que levar. Minha bagagem não poderia ultrapassar os 15 kg por conta dos voos internos, mas percebi que isso seria impossível. Assumi os 3 kg extras e paguei as 2.500 rupias indianas - o equivalente a aproximadamente U$ 50 – por eles em cada voo local.  Segunda pele para o frio intenso, equipamentos de pilotagem impermeáveis, barrinhas de cereal, álcool gel, mochila de hidratação, lenços umedecidos, lanterna, cordas para amarrar a bagagem na moto, bolsa impermeável, remédios e meias quentinhas foram alguns dos itens imprescindíveis.

A terceira parte do processo foi assinar os papéis. Papéis que atestavam minha saúde física e diziam que eu estaria apta para completar a jornada. A conta dos caras é a seguinte: se você correr 5 quilômetros e fizer 50 flexões na sequência em meia hora, você passou com louvor no teste. Bom, vamos mudar de assunto... Tive que correr atrás de médico para assinar a papelada e declarar que eu estava preparada, quando na verdade não estava, nem de longe, numa fase fitness. E isso não foi nada perto da assinatura que afirmava que se eu morresse a responsabilidade era todinha minha. Engoli aquela saliva a seco e assinei a papelada.
As recomendações dos amigos não eram muito animadoras: “só tome água engarrafada, lembre-se de dirigir na mão esquerda, cautela com a comida apimentada, buzine muito e não saia sozinha, tome cuidado com os homens, assédio e estupro estão na moda por lá há anos". Com um altíssimo índice de estupro, a Índia é considerada um dos piores países para a mulher viver. Sim, elas são consideradas menos dignas de respeito que os homens e este seria outro fator com o qual eu teria de lidar.

A Índia é um país enorme. Geograficamente, culturalmente e religiosamente. Cada estado é único, o que torna tudo muito heterogêneo. Em cada lugar as coisas funcionam de um jeito e garantir a ordem em um país com mais de 1. 200 bilhão de pessoas, dos quais 40% desta população imensa está abaixo da linha de pobreza, não é tarefa fácil.
Chegando na Índia
Após desembarcar na confusa e colorida Nova Délhi, voei para Leh, capital de Ladakh, local onde nossa jornada começaria. Ladakh fica na região popularmente conhecida como Jammu e Caxemira. Este pedaço de terra localizado no extremo noroeste do subcontinente indiano está sendo disputado com o Paquistão e a China há anos. Cada país controla uma parte deste território, portanto a zona é sensível e tomada pelo exército. Eles estão por toda a parte. E seria justamente ali que começaria nossa jornada pelo Himalaia.

Leh fica a 3.500 metros acima do nível do mar e ao chegar precisamos de um tempo para que nosso organismo se acostume com a altitude. Basta descer do avião para sentir tontura. Ali mesmo no simples aeroporto de Leh tomei um comprimido de Diamox, um remédio para glaucoma cujos efeitos colaterais minimizam os efeitos da altitude. Esta medicação foi indicada pelo médico local que nos atendeu no primeiro dia. Não sou de tomar remédios, mas não posso negar que a droga ajudou.

Antes do atendimento médico passamos por um briefing de pilotagem. Brinco que foi o mais assustador da vida. Sachin Chavan, chefe do time de riders da Royal Enfield falou sério sobre os perigos que iríamos enfrentar na viagem. Ele começou assim: “A vida não é fácil por aqui, não existem muitas regras, mas todos se ajudam. Tudo pode acontecer e precisamos estar mentalmente preparados para isso”.
Entre todas as dicas que Sachin deu ao grupo, duas ficaram muito evidentes. A primeira delas é o que a falta de oxigênio pode fazer com seu organismo sem que você perceba. O 'mal da montanha' é sorrateiro e mais comum do que imaginamos, a falta de oxigênio nos causa tontura, dor de cabeça, perda de reflexo, cansaço excessivo e confusão mental. "É fácil você perder concentração e começar a achar que o freio é a embreagem, por exemplo. Parece um absurdo, mas coisas assim acontecem com frequência na montanha", disse Sachin. O outro aviso foi para tomarmos cuidado com os motoristas que dirigem como loucos e não economizarmos no uso na buzina.  "Lembrem-se, dirijam sempre do lado esquerdo!", completa.

Primeiro ride com a Royal Enfield Himalayan
No dia seguinte faríamos nosso primeiro passeio pela cidade, é parte do processo de aclimatação e também uma oportunidade de conhecer a moto. O primeiro contato com a Himalayan não poderia ter sido melhor. Fui a segunda do grupo a enfiar a mão em uma caixa cheia de chaves e retirar na sorte minha companheira de viagem. Nos outros anos, os motociclistas utilizaram as robustas Classic 500 e Bullet, este ano chegou a vez da moto feita especialmente para as montanhas do Himalaia. Mais leve, com maior curso de suspensão, pneus de uso misto e, ainda assim, a mesma construção robusta de sempre, a marca garante que ela honra o nome que tem. Trata-se do modelo mais versátil da Royal Enfield, lançado na Índia em 2016, que desembarca no Brasil neste ano.

Beleza não é seu forte, mas como dizem, gosto não se discute. Não tem perfumaria, ela é racional da ponta do para-lama dianteiro (curiosamente, são dois) até a traseira. A parte boa é que se você cair os estragos serão mínimos. O motor é monocilíndrico com capacidade de 411 cm³, entrega até 24,5 cv a 6.500 rpm e o torque máximo de 3,26 kgf.m aparece aos 4.250 giros. O câmbio é de 5 velocidades. A partir de 2017, o modelo recebeu uma atualização importante, substituiu o carburador pela injeção de combustível.

As motos que usaríamos são de Leh, alugadas exclusivamente para o Moto Himalaya 2018. Por isso, naquela caixa havia chaves de motos carburadas com mais de 40 mil quilômetros rodados e modelos com injeção que não marcavam 10 mil quilômetros no odômetro. Por isso, este jeito democratico de selecionar sua moto, na sorte. Hoje, ela estava ao meu lado.
Nos primeiros quilômetros me surpreendi positivamente pela leveza nas mudanças de direção, resultado de uma arquitetura de baixo centro de gravidade. São 191 kg em ordem de marcha. A entrega de potência é linear e o torque está presente em baixas e médias rotações, o que ajuda a superar obstáculos.

O conforto surpreendeu. Aliás, ela é a primeira das Royal Enfield a utilizar suspensão monoamortecida com link. Vibra? Claro, mas as borrachas nas pedaleiras e o banco com espuma espessa não vão deixar seus pés, mãos e bunda amortecidas. As rodas são aro 21” na dianteira e 17” na traseira com pneus da marca CEAT de uso misto. Não sabemos ainda qual pneu será homologado para o Brasil.

Após abastecermos as motos, deixei minha bagagem milimetricamente organizada para ser carregada comigo na motocicleta em uma bolsa impermeável. Enfim, tudo pronto para darmos início a jornada. Quando deitei a cabeça no travesseiro, não fazia ideia do que me esperava na manhã seguinte.

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