Admito que estava me coçando para escrever sobre o ocorrido em Silverstone, há alguns dias. No entanto, tive de tomar um chá de camomila a fim de me acalmar. Não suficiente, apelei para o ansiolítico. Por quê? Tenho a chance de escrever groselhas aqui na coluna, de divagar, apenas nas últimas quartas-feiras do mês. Por isso, não pude deixar aqui antes o que achei do entrevero de Lewis Hamilton com Max Verstappen.
É preciso entender que o desenrolar da temporada nos trouxe até o choque entre os dois pilotos na Copse. Vale lembrar que Hamilton tirou o pé em Sakhir, Ímola e Barcelona para evitar uma colisão com Verstappen. O cenário, nas ocasiões citadas, ainda era, contudo, nebuloso. O campeonato se mostrava equilibrado e o britânico, por isso, optou pela cordialidade nos confrontos diretos.
Depois da Espanha, Sir Lewis bem que tentou, mas não consegui impedir a disparada de Verstappen na liderança do Mundial. Não à toa, o piloto da Mercedes chegou a Inglaterra pressionado. Ele precisava superar o holandês em casa de forma a reduzir o déficit, que era até então de 32 pontos.
Ao anotar o melhor tempo na sexta-feira, Hamilton se colocava em posição favorável para a corrida de classificação de sábado — a primeira da história da Fórmula 1. O britânico, contudo, acabou superado por Verstappen na sprint race, e ficou com a segunda posição no grid da corrida de domingo. Tal foi determinante para o choque entre os dois na Copse.
Largando em segundo, Hamilton teria de ultrapassar o rival a qualquer custo na primeira volta, antes de Maggots e Becketts. A rápida seção de curvas, feitas pelos carros atuais flat out, certamente daria a Verstappen vantagem considerável, já que seu carro jogaria todo ar sujo no Mercedes W12. E mais: como Silverstone é uma pista que, embora nos dê bos corridas, não permite fáceis ultrapassagens, apenas o “Imponderável” tiraria do holandês a vitória.
Indico, a partir de agora, que você tire sua camiseta de torcedor. Lhe digo com toda a certeza do mundo: o que houve entre Verstappen e Hamilton na Copse foi um incidente de corrida. Incidente que poderia ter muito bem acabado com a prova dos dois pilotos, e não de apenas um.
Considero tal como uma consequência dos acontecimentos. Hamilton não podia tirar o pé desta vez. O britânico tinha de ser agressivo, tinha que ganhar a posição a qualquer custo. Verstappen, por sua vez, não é conhecido por ser um cara que afine nessas horas. Justamente por isso, também se portou com agressividade. Coisas de pilotos geniais como são.
Existe, claro, corrente que pensa o contrário. Muita gente acredita que Hamilton não deu espaço suficiente a Verstappen e que, em decorrência disso, os dois se tocaram. O holandês encontrou o muro numa batida cujo impacto submeteu o corpo do piloto a uma força de 51G.
É óbvio que o britânico não tinha o objetivo de fazer com que o rival passasse por tamanho perigo. Tanto é que, logo que a batida ocorreu, Sir Lewis tratou de perguntar a Peter Bonnington, seu engenheiro, se Max Verstappen havia escapado ileso. Corretíssima atitude do heptacampeão, que sabe muito bem como é o esporte.
Luz, então, no entrevero. Após algumas tentativas frustradas nos primeiros metros, Hamilton se aproveitou do vácuo na reta que precede a Copse para posicionar seu carro de forma a mergulhar e colocá-lo em posição favorável.
Isso fez com que Hamilton fingisse uma ultrapassagem por fora. O que pegou o holandês de calça curta. Verstappen defendia bem, no meio da pista, mas a manobra do inglês o levou a mexer seu Red Bull e a abrir espaço por dentro para que Sir Lewis posicionasse o seu Mercedes logo na entrada da Copse.
Na sequência, dá para notar que Hamilton consegue, muito graças ao vácuo encontrado previamente, colocar praticamente três quartos de seu carro lado a lado com o de Verstappen. Isso deu prioridade da curva ao britânico e não ao rival que, a essa altura, tinha de se defender.
Defesa essa que veio ao melhor estilo Verstappen. O holandês deu espaço mínimo para que Hamilton fizesse a curva. Não se fez de rogado e, agressivo que só, foi ao limite do que poderia fazer e deixou a decisão do toque (ou não) para o rival — assim como em Sakhir, Ímola e Barcelona.
A jogada de Verstappen desta vez, porém, encontrou bloqueio. Hamilton deu ao holandês pouquíssimo espaço para trabalhar e isso, na Copse, se traduziu no que vimos. Franco-atirador, o inglês foi para o “vamos ver”. Poderia ter tocado o ápice da curva antes e dado mais espaço ao rival? Mas é claro. Deveria ter sido punido por isso, Claro que não. Até porque, assim como Verstappen, Sir Lewis é muito, muito agressivo. Não à toa conquistou sete títulos mundiais.
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Toda a última quarta-feira do mês a coluna Chicane traz reflexões e histórias do mundo do automobilismo, em especial a Fórmula 1, com Marcus Celestino.
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