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Só os carros grandes sobreviverão?

Fim do Up revela as predileções do mercado e erros de estratégia. Mas não significa que os carros de entrada morrerão

por Fernando Miragaya

A gente costuma dizer que o brasileiro compra carro com fita métrica. Para o consumidor, o porte do veículo é um dos fatores de decisão de compra, porém o fim do Up não quer dizer que tamanho é documento. Tampouco sentencia os carros de entrada à morte. Até porque eles são essenciais para a sobrevivência dos fabricantes.

O setor automotivo demanda tantos SUVs e crossovers que, nesta vibe, os hatches e sedãs pequenos até passam no automático e ficam em segundo plano. Obviamente, a indústria tem de apontar para o segmento que mais cresce e que oferece margens mais atraentes, mas isso não significa que não há mais espaço para os pequenos.
O término da produção do Volkswagen Up talvez nem sirva de parâmetro para essa discussão. O modelo lançado em 2014 foi mal posicionado de cara e já estava fadado ao fim. Apesar do ótimo comportamento dinâmico, da arquitetura moderna e dos motores eficientes, custava o mesmo que Gol e Fox, que usam plataforma do início do século…
E aí, meu amigo, no olhômetro, o consumidor acha que está comprando menos por mais. Desta forma, o subcompacto da marca alemã jamais empolgou no mercado. É claro que, por ser mais moderno, o Up tinha custo de produção mais caro do que um projeto de 2001. Só que quem compra não está nem aí para essas questões.

No tamanho certo


Tanto é que outros subcompactos se estabeleceram. Renault Kwid e Fiat Mobi são exemplos. Cada um vendeu mais de 45 mil unidades no ano passado, e por quê? Porque estão posicionados de forma pragmática no portfólio de suas marcas.
Está lá o Kwid abaixo do Sandero e o Mobi como veículo de entrada da marca italiana. Conseguem isso, evidentemente, porque são projetos de baixo custo. O Renault tem origem indiana e o Fiat nada mais é que uma versão simplificada e menor do Uno.
Só que preço e tamanho se mostram condizentes para o cliente que busca um veículo barato, ou mesmo para a empresa que precisa de um carro com custo/benefício atraente para colocar aquela escada no teto.
É esse tipo de demanda que vai evitar, pelo menos a médio prazo, que as vitrines das concessionárias se tornem exclusivas de SUVs e crossovers. Os hatches subcompactos e compactos são essenciais para um mercado com poder aquisitivo limitado como o nosso. E fundamentais para a própria indústria.

Escala


Por mais que as montadoras invistam em produtos com margens mais generosas, aquela velha lógica do volume e da escala que moldou o capitalismo industrial moderno é vital - ainda mais no Brasil. Executivos de marcas e consultores do setor com quem costumo insistir no tema fazem coro quanto a isso: “precisamos de um Onix para vender um Tracker”.
A frase é fictícia, porém serve para ilustrar de forma genérica como é preciso atuar no país. Para você vender 10 unidades daquele SUV que te dá mais lucro, é preciso ter 100 do hatch pequeno que - às vezes - nem lucro dá. É uma equação confusa mesmo: você perde dinheiro para ganhar.
Isso porque se ganha na famosa escala lá na outra ponta. O volume maior do modelo de entrada vai reduzir o custo daquela plataforma e daqueles componentes que servem também ao carro de porte maior. Ou seja: você “corta na lata” na base, e reduz custos e aumenta as margens no topo da cadeia.
Sem falar que também é preciso atender a uma clientela que não pode ser desprezada: a de vendas diretas. Empresas, sejam locadoras ou frotistas, querem carro com custo/benefício atraente. Algo que atualmente só se consegue com hatches e sedãs pequenos.
E não podemos esquecer que o preço da etiqueta é ainda o que move o cliente a ir até a concessionária ou ao site de compra e venda de automóveis. Assim como cada linha precisa de uma versão de entrada para atrair o consumidor, a maioria das marcas não pode se dar ao luxo de só ter carros acima de R$ 90 mil em suas lojas.
Tem que ter aquela isca, o carro mais barato, nem que seja só para fazer o consumidor entrar na concessionária.
Isso quer dizer que os veículos de entrada serão eternos do jeito que estão? Os fabricantes obviamente moldam o segmento conforme o mercado aponta. Versões aventureiras, apliques que emprestam ares de crossover e outras estratégias que mantêm o carro vendável e, por vezes, podem reduzir custos e dar aquela força nas margens.
Os grandões continuarão a ditar o mercado. Mas precisam dos pequenos para dar dois passos à frente.

A coluna Mercado Auto é publicada todas as segundas quartas-feiras do mês, com análises e perspectivas do segmento automotivo assinadas por Fernando Miragaya.

Instagram: @fmiragaya

Twitter: /miragaya

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