A juba (e as garras) do leão serão suficientes?

Peugeot aposta em tecnologia e design para que 208 seja um divisor de águas como foi o 206. Mas os tempos são outros

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Fernando Miragaya
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A Peugeot vê no 208 uma espécie de reencarnação do messias que foi o 206. Na lógica da marca, a nova geração da “Saga 200”, como os franceses gostam de denominar sua representatividade nesta categoria, pode novamente quebrar paradigmas no mercado de compactos. De fato, o carro chega ao Brasil com design dos mais belos e muita tecnologia embarcada.

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Mas os tempos são outros e o novo 208 tem um panorama bem diferente do que o 206 enfrentou 20 anos atrás. Apesar dos esforços explícitos e elogiáveis por parte do fabricante para fazer as coisas acontecerem, a missão é (muito) complexa. E a realidade cruel do mercado ainda bate à porta.

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Realidade de mercado e da própria empresa. Vamos lá. O 206 chegou no fim dos anos 1990 em um setor com carros nacionais que ainda deviam muito em termos de plataforma, tecnologias e equipamentos. Não bastasse, o Peugeot trazia para a base do mercado um design arrojado e fora do padrão das formas arredondadas bastante previsíveis de então. Isso aliado a motor potente, recheio de itens de série e acabamento (bem) acima da média.

Ao mesmo tempo, a marca convivia com investimentos e a nova fábrica para produzir o 206 - e consolidar a presença da Peugeot no mercado brasileiro. Para se ter uma ideia, em 2003, o compacto feito em Porto Real (RJ) fechou o ano com mais de 33 mil unidades emplacadas, foi o 10º carro mais vendido do país e assegurou uma participação de mais de 3% da marca entre os automóveis de passeio, segundo a Fenabrave.

Bem diferente...

Hoje, a segunda geração do 208 encara um cenário complexo. Não bastasse a crise causada pela pandemia do novo coronavírus, tem o dólar na estratosfera, o que encarece ainda mais o produto.

O carro também chega em um cenário em que o mercado quer saber mais de SUVs e, por isso mesmo, os hatches tiveram de se reinventar. Pegue os últimos lançamentos. Novas gerações de Chevrolet Onix e Hyundai HB20, que atuam desde a base do mercado, ou Volkswagen Polo, Toyota Yaris e Fiat Argo, que se posicionam entre os tais compactos premium: estão mais espaçosos e equipados.

O 208 parece estar em outra sintonia tal qual o punhado de soldados estadunidenses na cena da batalha final de O Resgate do Soldado Ryan - quando eles escutam Edith Piaf (Tu es Partout) momentos antes de uma tentativa quase suicida de resistir ao avanço de tropas nazistas. O hatch cresceu por fora, mas o espaço interno continua tímido e o porta-malas encolheu.

Além disso, tem preço inicial de R$ 75 mil, contudo os itens mais bacanas só aparecem na versão mais cara, que custa incríveis R$ 95 mil. Valores que não contemplam sequer um novo conjunto mecânico, enquanto muitos rivais já adotaram motores turbo.

Os preços cobrados corroboram o que se fala "nas internas" da Peugeot: a montadora estaria mais focada em ter maior margem de lucro do que propriamente volume. Além reforçar a estratégia, anunciada há alguns anos, de tornar a marca francesa mais premium.

Crescimento sustentável

Os executivos, porém, dizem que a Peugeot busca é um crescimento sustentável. Hoje com participação de mercado menor de 1%, é evidente que a empresa tem se esforçado em uma reestruturação gradual e até mostra que tirou lição dos erros do passado.

Em 2015 a chegada do 2008 já sinalizava que a Peugeot estava atenta aos novos tempos, com um produto antenado às predições do mercado. Ali, também começava uma reestruturação profunda de sua rede. A empresa adotou uma estratégia parecida com o mantra que Henrique Fogaça fala a exaustão no Master Chef: "menos é mais".

É que as concessionárias sempre foram parte do calcanhar-de-aquiles da marca. Revendas que praticam preços caros e serviços ruins queimam fácil uma marca, e a Peugeot padeceu disso por anos. O jeito foi enxugar a rede e selecionar criteriosamente players que estivessem comprometidos com qualidade - e com a juba do Leão.

Era preciso desmistificar também a má imagem deixada por esse pós-venda. E a figura de Ana Thereza Borgari se mostrou fundamental nesse processo. A diretora-geral da PSA Peugeot Citroën no Brasil pôs a cara na mídia para assegurar compromissos em ações que visavam livrar a marca do leão dos rótulos: desde devolução de dinheiro em caso de insatisfação com o serviço e preços mais racionais de revisões até, em breve, a garantia de pagamento de 100% da Tabela Fipe na compra do 208 usado.

Paralelamente, a montadora já prepara outras ofensivas de produtos. Um SUV menor e mais barato que o 2008, que pode ser o 1008, é planejado para ser fabricado em Porto Real (RJ) - até porque o fim do antigo 208 abriu espaço na linha de montagem, uma vez que o novo hatch agora vem da Argentina. Isso sem falar na novíssima geração do próprio 2008, coisa para 2022.

É um trabalho conjunto que não trará resultados da noite para o dia. E nem é garantia de sucesso. Mas mostra que a Peugeot faz a sua parte. O problema é que boas intenções não bastam. Quando se fala em mercado brasileiro, a juba do leão, por si só, não basta para reinar na selva.

Todos os meses a coluna Mercado Auto traz análises e perspectivas do segmento automotivo com Fernando Miragaya. Instragram: @fmiragaya. Twitter: /miragaya.

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