Para comprovar o feito fomos até a Alemanha, terra do precursor dos automóveis, a convite da montadora originada por ele, Mercedes-Benz. Por enquanto, poucos sortudos puderam estar a bordo do Future Truck 2025, ou caminhão do futuro, como foi batizado o estudo da montadora alemã. A ideia é que em 10 anos o protótipo se torne um modelo de produção homologado para circular em rodovias – leia, a princípio europeias e norte-americanas.
Nosso primeiro contato com este gigante recheado com o que há de mais atual em termos de tecnologia aconteceu nos arredores do Aeroporto de Berlim-Brandemburgo, mas o "mastrodonte" foi revelado ao mundo em outubro do ano passado, durante o Salão Internacional de Veículos Comerciais, em Hanover. Difícil não se impressionar.
Cadê os faróis?
O design é diferente de qualquer caminhão que se vê nas ruas, com superfícies lisas, cantos arredondados e uma única entrada de ar na dianteira, camuflada nos vãos da grande estrela de três pontas central. A frente sem orifícios, aliás, foi uma exigência a ser cumprida na concepção do caminhão. “O visual deveria impactar, sem assustar“, disse ao WebMotors o “pai“ do projeto, Georg Stefan Hageman, chefe de desenvolvimento de veículos comerciais da Mercedes-Benz.
Ok, eles queriam uma dianteira lisa, mas nos chamou a atenção a ausência dos faróis. Questionei Hageman se o FT 2025 estaria apto a rodar à noite. “Ainda não, mudanças terão de ser feitas para que ele possa ser testado em vias públicas”, explicou.
Há, porém, um interessante sistema de iluminação com LEDs embutidos sob a lataria - que na verdade mais impressiona do que ilumina. Quando o motor é ligado, as luzes aparecem na própria pintura. Se dirigido pelo motorista, as luzes ficam brancas, se a condução estiver no modo autônomo, ficam azuis e pulsam. Para a função de setas, as luzes no para-choque ficam alaranjadas e piscam.
Para conferirmos o efeito, o caminhão teve de ser levado para a sombra, uma prova de que os LEDs não são fortes o suficiente para substituir os faróis. Neste caso, sua principal função seria a comunicação com outros motoristas (desde que não esteja muito Sol).
Câmeras compactas substituem os espelhos retrovisores, sistema que mostrou-se bem eficiente e, ligado ao cavalo-mecânico está uma carreta, também diferenciada. Com formato aerodinâmico, difusores próximos aos eixos traseiros e aletas estrategicamente posicionadas, a carreta reduz em 18% o coeficiente de arrasto e gera até 4,5 % de economia no consumo de diesel (o que representa muito para quem roda bastante), diz a marca.
Da onde veio?
O FT 2025 é baseado no caminhão Actros 1845, equipado com bloco de seis cilindros em linha, que gera 449 cv de potência aos 1.800 giros e 224,3 kgfm de torque máximo aos 1.100 rpm. A transmissão é automática de 12 velocidades - no Brasil a Mercedes disponibiliza uma opção com motorização V8 para o Actros, mas este bloco não atende a norma de emissão Euro 6, vigente na Europa, portanto não é vendido no país. O conjunto mecânico, todavia, está longe de ser o mais interessante neste caminhão.
Brutamontes, mas muito inteligente
Após escalar a boleia, chegou a hora de ver o grandalhão em ação. Dirk Stranz, engenheiro responsável pelos testes do FT, foi meu acompanhante. A cabine é mais simples do que se imagina, com pouquíssima coisa, muito espaço e duas poltronas grandes e confortáveis - a do motorista gira 45 graus e reclina. O painel de instrumentos consiste em uma tela digital grande e um tablet maior ainda, apoiado no console central. O dispositivo pode ser usado, entre outras funções, para o motorista se comunicar com a família através de aplicativos como o Skype, por exemplo. Uma iluminação azul que inunda a cabine merece destaque.
O FT não sai do lugar sozinho, o motorista precisa dar a partida e engatar o câmbio no modo Drive, como em um caminhão comum. Ao atingirmos uma velocidade constante (abaixo de 80 km/h, máxima permitida para veículos deste porte na Europa) uma câmera estereoscópica instalada acima do painel de instrumentos reconhece as faixas de rolamento e a mensagem “Highway Pilot disponível” aparece no painel. Isto quer dizer que o modo autônomo pode ser ativado.
A câmera consegue monitorar até 100 metros à frente do caminhão, varre uma área de 45 graus na horizontal e de 27 graus na vertical. Além disso, ela está programada para identificar se a estrada é de faixa única ou dupla, pedestres, objetos em movimento ou parados na área monitorada e também a superfície da estrada. Todo o entorno do caminhão também é monitorado. Ele ainda não lê placas de triansito, este seria um segundo passo, no entanto, em uma rodovia ele regula sua própria velocidade e encontra a melhor rota, usando um aplicativo de navegação.
Graças aos radares laterais o caminhão consegue se posicionar exatamente no centro da faixa, mesmo na estrada super estreita na qual fizemos o teste, e faz curvas com uma carreta de 25 metros de comprimento com precisão cirúrgica.
O sistema não depende de outro veículo à frente para usar como referência, e ajusta a distância de outros veículos por conta de um sistema de controle de cruzeiro adaptativo. Caso um carro surja de repente na frente do caminhão, o sensor de radar instalado no para-choque, que varre uma faixa de 250 metros e 18 graus, comunica o caminhão para realizar uma frenagem emergencial. A comunicação dos sistemas é tão integrada que os sensores ajustam a força da frenagem de acordo com a distância do objeto e o peso de carga do caminhão. Tudo muito rápido.
Ao chegar na rotatória, Stranz precisou assumir a direção, pois o sistema ainda não funciona em situações de tráfego urbano. Não exatamente porque não haja tecnologia disponível, mas porque a legislação tem muito o que caminhar para que isso aconteça.
Em suma, a sensação de se estar em um caminhão daquele porte com o motorista virado para o lado olhando para você e não para a estrada não é das mais confortáveis, mas me senti muito segura dentro dele durante todo o percurso.
Nem tudo é tão fácil
Hageman guarda segredo sobre quanto foi gasto no projeto e diz que com o tempo as tecnologias se tornarão mais acessíveis. Ele explica que muito dos sistemas autônomos utilizados no FT já são oferecidos na linha de caminhões da Mercedes, o desafio foi fazê-los atuar de maneira integrada, comunicando-se. O tempo foi outro problema, foram seis meses apenas desde a decisão até a apresentação do caminhão pronto.
Com uma infraestrutura adequada, que permita que o Future Truck 2025 exerça sua função autônoma, ele pode ser um grande aliado na segurança, mais eficiente no campo da logística, gastar menos combustível e proporcionar um novo campo de atuação para o caminhoneiro. Agora, vem o maior desafio de todos: convencer as autoridades de seu potêncial.
Atualmente, a norma UN/ECE R 79 da Convenção de Viena não permite a direção automática acima de 10 km/h na Europa. Até esta velocidade, a brecha é uma pré-condição para o uso do "Parking Assist" (assistente de estacionamento) e o "Stop-and-Go Assist" (assistente de parada e partida). Ou seja, uma revisão na legislação é urgente para que os veículos autônomos avancem.
As montadores esperam ao menos ter autorizações para testá-los no trânsito real, mas não é tão fácil assim. Questões que envolvem a moral e veículos que tomam decisões por si devem ser cuidadosamente avaliadas para que os resultados não sejam desastrosos no futuro.
O que vimos no Future Truck 2025 é uma revolução no campo da tecnologia automotiva, na maneira de transportar cargas, no perfil do caminhoneiro e na segurança. Ele está pronto, nós é que ainda temos que nos preparar para recebê-lo.
Viagem feita a convite da Mercedes-Benz
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