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Sem dó: de Discovery Sport nacional no Jalapão

WM1 leva Land Rover "made in Brazil" para passeio casca grossa

por Karina Simões

Quem me conhece sabe que vivo atrás de boas histórias. Esta veio até mim. Me lembro bem quando a Jaguar Land Rover anunciou que teria uma fábrica no Brasil, no final de 2013. O que eu não sabia é que, quase três anos depois, eu seria a primeira jornalista no mundo a testar um veículo produzido na recém inaugurada planta da marca em Itatiaia, Rio de Janeiro. Mais que isso, eu não poderia imaginar que o teste seria diferente de todos os que estou acostumada a fazer.


A divisão brasileira da marca criou algumas expedições para os primeiros veículos produzidos em solo nacional e apelidou o projeto de "My Land". Por isso, desta vez, minha missão seria mostrar a este LR “made in Brazil” um dos lugares mais exuberantes do nosso país, o Jalapão, no Tocantins. De quebra, também seria minha estreia naquelas estradas, passagem obrigatória de quem carrega o DNA 4x4 e cenário de muitas histórias que já ouvi na vida. Enfim, agora seria hora de escrever a minha, ou melhor, a nossa.



Cheguei a Palmas, no Tocantins, na tarde de quarta-feira (14). Fui recebida pelo instrutor da Land Rover no Brasil, Luis Fernando Carqueijo, e pelo Discovery Sport nacional já no estacionamento do aeroporto. Ali mesmo assumi a direção do SUV e duas coisas me chamaram a atenção de cara: os apenas 94 quilômetros que marcava o hodômetro do veículo e os 38°C no termômetro do painel digital às 17h30. O chassi, final 00066, também foi uma grata surpresa – embora eu dirija muitos lançamentos, acho que nunca na vida guiei um carro com número de chassi tão baixo.


O Discovery Sport e o Range Rover Evoque são os primeiros modelos que a Land Rover está produzindo por aqui. Ambos seguem as normas estabelecidas pelo Inovar-Auto no quesito nacionalização de componentes, mas não me deram o número exato do índice de nacionalização. À primeira vista, o acabamento é exatamente igual ao importado, e é isso o que realmente importa para nós. De qualquer forma, teríamos algum tempo juntos para nos conhecermos melhor.



As versões do Discovery Sport produzidas no Brasil são equipadas com motor a gasolina apenas – modelos a diesel, por enquanto, continuam sendo importados. Nosso companheiro de viagem, versão HSE (intermediária), traz sob o capô um sofisticado motor 2.0 Si4 de 240 cv, com injeção direta de combustível, comando de válvulas variável e turbo de baixa inércia, que enche em baixas rotações e entrega aquela resposta que faz feliz qualquer um que curta carros. O torque de 34,6 kgf.m chega cedo, aos 1.800 giros, e é dele que iríamos precisar nas infindáveis estradas de areia do Jalapão. O câmbio é o automático ZF de nove marchas, mesma caixa que equipa o Jeep Renegade com motor diesel, com possibilidade de trocas pelas borboletas atrás do volante.


O Discovery Sport, eu aposto que você já conhece, mas se você nunca ouviu falar do Jalapão, saber que a 24ª edição do Rally dos Sertões – que acabou dia 10 de setembro – passou exatamente por ali, já é o suficiente. O resto, vocês descobrirão junto comigo.


Quinta-feira, 15 de setembro


Saímos de Palmas às 7h, depois de um café-da-manhã reforçado. A recomendação do nosso instrutor “coma o máximo que puder, pois não sabemos a que horas comeremos novamente”, foi seguida à risca por mim e pelo parceiro Fabio Aro, fotógrafo automotivo que topou me acompanhar na missão. De Palmas à cidade de Novo Acordo, percorremos 120 quilômetros em estrada de asfalto. O nevoeiro da manhã que permeava a vegetação não era exatamente nevoeiro, mas sim fumaça das tantas queimadas que cruzamos pelo caminho. Eram muitas.



Na cidadezinha de Novo Acordo, paramos para abastecer. Completamos 21 litros no tanque que leva 70, pagando R$ 4,05 o litro. Ambas de coloração dourada, a gasolina e o capim literalmente valem ouro por aquelas bandas.


Dali, caímos enfim na estrada de areia misturada a cascalho – colocado ali propositalmente há uns 15 anos para facilitar a vida de quem precisa da estrada. Melhorou, mas o caminho continua muito ruim e, “pra frente vai piorar” foi uma frase que ouvi muitas vezes. Pense que até o ano 2000, nem energia elétrica existia no Jalapão. Fui instruída a ficar atenta aos buracos e não confiar muito no piso, que engana. Dito e feito, no meio da areia fofa topávamos com pedras, que maltratavam a suspensão.



Foi ali, aliás, que o SUV começou a sentir o que é o Brasil e eu comecei a entender, de fato, onde estava me metendo. O Discovery Sport utiliza suspensão independente na dianteira e multibraço na traseira. Os primeiros 100 quilômetros naquele piso foram suficientes para eu me admirar com o trabalho de engenharia desenvolvido ali. Os R$ 240.396 cobrados pelo modelo também começavam a fazer sentido assim que eu olhava no retrovisor e via nosso instrutor sacolejando dentro da VW Amarok que dirigiu no percurso enquanto nosso carro copiava a buraqueira, mas transferia o mínimo para a cabine.


Se você se assustou que o preço do carro não baixou um centavo sequer, mesmo ele sendo fabricado no Brasil, sinto lhe informar, mas preço, muitas vezes, é muito mais questão de posicionamento do que propriamente do valor da produção. Infelizmente.


Tração nas quatro rodas naquela área é indispensável, não dá para ter um carro convencional no Jalapão, até o ônibus que leva os turistas é 4x4, ou traçado, como dizem os locais. Tem que ser. Perto de São Felix do Tocantins, já começamos a avistar alguns planaltos e os trechos de areia iam ficando mais recorrentes.



Paramos para uma foto na areia e o SUV ali ficou, atolado. Enquanto eu conversava com o Aro sobre qual posição ele queria o carro, intuitivamente, pressionei o botão areia e o carro arrancou imediatamente, sem que eu interrompesse a conversa. Foi o próprio fotógrafo que me interrompeu, impressionado com a e eficiência do Terrain Response. Este sistema, exclusivo da Land Rover, oferece programas específicos para cada tipo de terreno (asfalto, grama/neve/cascalho, lama, areia, além do modo Eco). Embora a eletrônica por trás daqueles botõezinhos seja bem complexa, o funcionamento é muito simples. O motorista escolhe o modo adequado para a situação e o SUV modifica a resposta da direção, acelerador, transmissão, freios e tração. 


Se aquele era o ambiente de um Land Rover, mesmo com o calor na casa dos 40°C, eu também começava a me sentir em casa. Muitas vezes, via a estrada acabar no horizonte, como se fosse um caminho sem fim. Sem sinal de celular, longe da agitação da cidade. Ao lado, apenas a vegetação, mais nada, mais ninguém.



Paramos para conseguir algo fresco para beber em São Felix, sem sucesso. Como um paradoxo a minha reflexão, ouvia a conversa de duas mulheres -as únicas pessoas que encontramos no vilarejo-, que reclamavam de não ter onde gastar seu dinheiro, nem como satisfazer simples vontades, como tomar o milk-shake da propaganda da tv.


Para nosso destino final do dia, faltava cerca de 80 km, distância que, dependendo das condições da estrada, pode significar horas. Seguimos em frente e atravessamos nosso primeiro trecho alagado, o Discovery Sport aguenta travessias de até 60 cm. Ele passou sem dificuldades, mas perdemos (e encontramos!) a placa dianteira e até os parafusos de fixação. Embora o clima seja seco, há muitos rios por ali, o encorpado Rio Novo é um dos poucos de água potável que restam no mundo.



No caminho para a Cachoeira do Formiga, eu vivia um misto de sentimentos. O primeiro deles: é legal ser “roots”, eu sou, tenho jipe, sei como é e prefiro uma vida sem frescuras, mas é absolutamente maravilhoso fazer uma viagem “casca grossa” em um carro de luxo, com direção elétrica, conforto de sobra, teto panorâmico, ar condicionado dual zone, bancos em couro climatizados, entradas USB, sistema multimídia com tela de 8 polegadas e conectividade Bluetooth para você ouvir seu Spotify, “de boas”. O segundo sentimento, que me arrepiava a alma, era pensar que aquela pintura novíssima estava sendo arranhada pelos galhos do estreito trecho até a cachoeira, a suspensão estava sofrendo e a areia estava entrando em toda e qualquer parte móvel daquele veículo. Que dó!



Parei com o sofrimento para admirar os passarinhos que saiam do chão (oi?) ao passo que passávamos com o Discovery Sport. Eram centenas! Não, espera. Não eram passarinhos e sim gafanhotos enormes, com pernas e asas. O inseto esquisito é muito comum no Jalapão, alguns chegam a ter 20 cm de comprimento.


Enfim chegamos à Cachoeira do Formiga, um lugar paradisíaco, de água azul de temperatura ambiente, absolutamente convidativa. Venha ver isso com a gente:



Nosso próximo destino era tão fascinante quanto as águas azuis. O fervedouro é uma nascente de água de alta pressão, rara de encontrar e difícil de descrever. Entrar naquela nascente foi uma das experiências mais interessantes do Jalapão. Se você pensa em ir até lá, o fervedouro é passagem obrigatória. Já era final de tarde e seguíamos rumo à comunidade do Mumbuca, um povoado onde moram famílias quilombolas. O local está isolado desde agosto, pois a ponte de acesso foi destruída em um incêndio. Como estávamos de Discovery Sport, atravessamos pelo rio mesmo.



Na saída do rio, uma surpresa. Uma pedra furou a parte interna do nosso pneu traseiro esquerdo. A versão HSE não tem monitoramento de pressão nos pneus e, por sorte, vimos o estrago antes que ele piorasse. Nossa aventura começou a ficar mais emocionante. Estava anoitecendo, nosso combustível acabando, nossa última refeição tinha sido o café-da-manhã e nosso Discovery Sport era de sete lugares (que utiliza estepe de emergência, que altera totalmente a dirigibilidade do carro – afinal, é para uma emergência!).


Optamos por consertar o pneu 235/55, montado em uma roda de liga leve aro 19. Aqui vale uma dica para quem quer se aventurar por aí em um local inóspito. Prepare seu carro, tenha um estepe de acordo, leve ao menos um galão de combustível e algumas ferramentas. Eis aqui mais uma oportunidade que me fez dar valor a um kit de reparo de pneus e um compressorzinho portátil para tomadas 12V. Lembrando que estávamos utilizando um carro original, com pneus originais, que passou em muitos lugares que picapes e caminhões ficaram. Mas sempre há aquela pedra no meio do caminho...



Mesmo cansados, consertamos o pneu e seguimos para Mumbuca. O quilombo existe desde o século XVIII e hoje sobrevive principalmente do artesanato que os moradores produzem com o capim dourado. Àquela hora da noite, eu não esperava ver mais nada, mas me surpreendi. Em questão de minutos, mulheres e crianças se reuniram para nos receber e mostrar os artesanatos. Um senhor com um violão improvisado se juntou ao grupo, que nos proporcionou uma linda recepção.



Ali moram cerca de 300 pessoas, que se preparavam para a festa da colheita do capim, que começaria no dia seguinte à nossa visita. A colheita em si iniciou na última terça (20) e vai até dia 30 de novembro. É fascinante conhecer a história daquelas pessoas, daquela terra, daquele capim. Infelizmente, sem a ponte os turistas não chegam, o professor que dá aula às crianças também não, e as dificuldades aumentam para todos ali. Os motivos do incêndio não foram esclarecidos e questões políticas fazem de uma possível solução, um processo burocrático e moroso, como sempre.


Quase 21h e aquele dia parecia não ter fim. O tanque na reserva indicava que o Discovery Sport tinha mais sede do que nós, naquele calor. No trecho de off-road de Novo Acordo à Mateiros –aproximadamente 265 km– , o SUV fez uma média de 4,4 km/l. É pouco, mas considerando as condições do terreno, velocidade e dificuldade, podemos considerar um numero razoável.



Em Mateiros, um município de aproximadamente 2.000 habitantes, abastecemos o Discovery Sport (o litro da gasolina ali custava R$ 5!) e também nossas barrigas famintas em um jantar improvisado no restaurante da Dona Rosa, que por sorte pegamos aberto. Foi o melhor “arroz, feijão e ovo frito” dos últimos tempos. Lembre-se, a fome é sempre o melhor tempero. Enquanto eu comia desesperadamente, observava um adesivo na parede bem à minha frente com o recado “o Jalapão é bruto”. Pois é, aquela altura eu já havia percebido.


Sexta-feira, 16 de setembro


Sairíamos da pousada às 6h30. Antes, outro café reforçado para aguentar os mais de 300 quilômetros que rodaríamos naquele dia. Nossa primeira parada foi nas Dunas Douradas do Jalapão. Mais uma vez, as imagens falam mais que minhas palavras:



De tempos em tempos, algumas paradas para monitorar o pneu avariado e admirar a paisagem. E era estrada que não acabava mais. O Discovery Sport Nacional aguentou bem o “tranco”, mas a estrada cada vez pior não perdoou o pneu, que arrebentou de vez, nos obrigando a utilizar o estepe. Em um pit-stop digno de F-1 “do Agreste”, eu, o fotógrafo e o instrutor, fizemos a troca em tempo recorde, pois corríamos contra o relógio para dar tempo de entrar no avião e voltar para São Paulo.



Aquilo foi mesmo uma loucura, uma correria, uma insanidade mental das boas, das que eu gosto. Fui praticamente salva às pressas de uma semana convencional de trabalho para relembrar que nosso Brasil é muito maior do que o mar de prédios que vejo da janela do 24º andar do prédio da Webmotors, na Vila Olímpia, São Paulo. Às vezes eu dou essa sorte.


Apenas neste segundo dia, dirigi por nove horas praticamente sem parar. Naquele dia não teve almoço, mas nossa fome era outra. Não teve folga, mas sobrou parceria, dos três ali presentes, daquele lugar que nos acolheu por um dia e meio e daquele carro, que enfim, desbravou um pouco da “sua” terra. Não foi uma convivência longa, mas foi muito intensa. Rodamos cerca de 720 quilômetros no total, e desses, 400 quilômetros foram por estradas de terra.



Hoje, o Discovery Sport é o SUV premium mais vendido do Brasil e certamente não é pela sua valentia, que poucos conhecem, mas pela relação custo-benefício muito interessante que oferece –na versão SE, ele é o Land Rover mais em conta do line-up. A parte robusta que eu conheci em uma das avaliações mais árduas que já realizei com um carro de testes, foi uma outra face, e onde ele ganhou o meu respeito de verdade. Nada como ter na garagem um carro que te leva para o shopping ou para o Jalapão.


No avião de volta pra minha selva de concreto, alguns passageiros olhavam torto para a terra vermelha na minha roupa, braços e pernas. Não tem problema, afinal, dessa história eles não sabiam nem o começo. Seja bem-vindo, Discovery Sport.


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