Califórnia, Sol, céu azul, praia, um Porsche e uma estrada sinuosa. Roteiro feito por estúdios de Hollywood, certo? Mais ou menos. Para apimentar a brincadeira, não se tratava de qualquer esportivo da casa de Stuttgart, mas do novíssimo Taycan, o primeiro puramente elétrico da história da marca alemã.
E isso me levou a algumas reflexões:
O encontro com o Taycan aconteceu no centro de Los Angeles. Lugar onde dias antes o chairman do board executivo da marca, Oliver Blume, cravou em conversa com jornalistas que até 2025 a casa do mítico 911 terá 100% da sua linha de modelos híbridos ou elétricos.
Ousado ou realista? Com certeza, isso rende uma boa conversa no boteco entre amigos.
Fato é que o Taycan que estava me esperando no subsolo de um luxuoso hotel é uma realidade e tem data para chegar ao Brasil. As encomendas começarão a ser feitas no fim do primeiro semestre e as primeiras entregas acontecerão depois de julho.
Serão oferecidas três variações: 4S, Turbo e Turbo S. Eu sei que chamar de turbo versões de um carro elétrico pode soar estranho, mas a Porsche resolveu manter as mesmas siglas usadas nos 911.
Os preços ainda não foram divulgados, mas deverão ficar posicionados entre variações de Cayenne e Panamera. Algo que deve partir por volta dos R$ 600 mil e chegar próximo a R$ 1 milhão.
A grande novidade mostrada pela marca em Los Angeles foi a versão de entrada do Taycan, a 4S. A maior diferença em relação aos irmãos está na potência gerada. Mesmo assim, os números impressionam.
Os dois motores elétricos combinados podem produzir até 571 cv no modo overboost - que entrega potência máxima por até 2,5 segundos. Já o torque máximo é de 66,2 kgf.m.
Aqui vale uma explicação mais detalhada. Na compra do Taycan, o feliz proprietário pode optar pelo jogo de baterias Performance, que produz 79,2 quilowatt-hora (kWh), ou pelo pacote Performance Plus, que é igual ao das versões mais recheadas e entrega até 93,4 kWh.
Com o Performance Plus, o Taycan é o primeiro veículo de produção com sistema que usa tensão de 800 volts - em vez dos 400 volts utilizado pelos demais modelos elétricos.
Segundo a Porsche, além de reduzir o tempo de recarga, permite que o peso do jogo de baterias de íon-lítio seja menor e ainda torna possível extrair mais performance do sistema. Em 22 minutos se carrega 80% da bateria em estações de recarga rápida, de acordo com o fabricante.
Comparando, é como se o iPhone pudesse ser comprado com a bateria normal ou com uma bem mais parruda. É bom dizer que a autonomia e a potência também mudam, de acordo com o pacote escolhido. Na Performance, o Taycan gera 530 cv e faz até 407 km sem precisar de recarga. Com o anabolizante, vai até os 463 km.
Enfim, é potência de sobra para carregar os 2.200 kg do Taycan 4S Performance Plus. Só para se ter uma ideia, o Ford Mustang vendido no Brasil (R$ 315.900) tem motor que gera 466 cv de potência e 56,7 kgf.m de torque máximo.
Com estes números, segundo a Porsche, a versão 4S do esportivo elétrico chega a uma velocidade máxima de 250 km/h. E produz uma aceleração de 0 a 100 km/h em apenas 4 segundos, com o controle de largada ligado.
Um reluzente Taycan 4S na cor azul calcinha, ou Frozen Blue Metallic (nome dado pela Porsche), me esperava na garagem subterrânea. Ao vivo, o Taycan é estiloso e refinado.
Predominam as linhas suaves, com poucos recortes. O desenho também é harmonioso, com a traseira claramente inspirada nos novos 911 e a dianteira pontiaguda, recortada por faróis esguios e com caixas de rodas volumosas para suportar grandes rodas (19, 20 ou 21 polegadas). O teto curvo tem forte caída no fim.
Mas a característica que mais chama a atenção é que o Taycan é baixo, bem baixo. Para ser mais preciso, ele tem 4 cm a menos que o Panamera na altura: só 1,37 metro. Isso ajudou também no coeficiente de arrasto (cx 0,22), o menor de toda a gama da marca e que auxilia o cupê de quatro portas a ser eficiente para vencer a resistência do ar.
Isso fica mais nítido quando se entra no carro. O motorista se senta rente ao chão, acima, praticamente, apenas das baterias, que, por estarem posicionadas no chassi, ajudam no centro de gravidade baixo do cupê.
O interior é também muito bem resolvido. E bastante high-tech. O Taycan pode abrigar até cinco telas. A maior delas tem nada menos que 16,8” (quase uma tv) e faz as vezes do cluster de instrumentos bem à frente do condutor.
Esta tela grande é curva, o que só melhora a visualização do painel, que é totalmente configurável. O quadro pode exibir, por exemplo, um grande mapa ou focar na força G e no velocímetro.
Os controles de iluminação, tração e até a regulagem da suspensão pneumática ficam nas extremidades da telona. Quase não há botões físicos. Uma das poucas exceções é o da partida que, como manda a tradição, fica ao lado esquerdo do volante.
O console central traz não apenas uma, mas duas telas sensíveis ao toque. Na parte de baixo, pode-se regular desde o ar-condicionado até a câmera de estacionamento em uma tela de 8,4”.
Já na parte superior fica o sistema multimídia espalhado em uma área de 10,5”. Até o passageiro pode ganhar uma tela para chamar de sua (opcional). Assim como os ocupantes do banco traseiro, que têm à disposição outra tela de 5,9” para a regulagem do ar - que pode ser de quatro zonas.
Só não deu para fazer milagre no banco traseiro. O espaço é acanhado e feito para, no máximo, dois adultos. As baterias e o design do teto cobram o seu preço. Uma vantagem de ser elétrico é não precisar contar com um grande motor. Isso significa mais espaço para as malas. São 81 litros na dianteira e mais 407 litros na traseira.
Os primeiros metros são ridículos. Não há barulho. Se tirar a direção nem se fala que está em um carro. O Taycan impressiona com as várias telas.
A unidade cedida ainda trazia o opcional de teto panorâmico, que regula a iluminação da cabine e empresta ainda mais charme ao interior. O acabamento também é impecável, assim como o conforto do banco esportivo e suas várias regulagens elétricas.
E como anda, pelo amor de Deus! Os dois motores, um no eixo dianteiro e outro no traseiro, despejam, sem cerimônia, potência instantânea nas quatro rodas. É patada atrás de patada. Coice depois de coice. Não tem filtro ou aviso, é enfiar o pé no acelerador para tomar porrada nas costas.
A sensação é diferente de quando se está em um 911 ou qualquer esportivo com propulsão a combustão. O motor enche 100% a zero de jogo e a velocidade sobe linearmente: não perde potência ou tem delay de turbo ou muda de rotação com a troca de marcha. É contínuo, é rápido... é uma delícia.
Há cinco modos de condução, que são regulados num seletor no volante (como nos 911). Os comandos alteram a rigidez da suspensão, o acerto do chassi, o controle do ar-condicionado, a abertura das aletas para passagem do ar até as respostas dos motores elétricos.
A adrenalina é maior com o botão na posição Sport Plus. É quando o Taycan se prepara para a batalha. A carroceria baixa 22 mm, os amortecedores pneumáticos ficam mais firmes, as pinças de freio se preparam para o pior e até os motores passam a ter um zunido fino e estridente, como se o bicho fosse decolar. Aí, meu amigo, é só alegria.
Quer acelerar como o Papa-léguas? Toma. Quer fazer curva como se estivesse fugindo da morte e preso num carrinho de montanha russa? Toma. Quer frear as mais de duas toneladas como se fosse uma bicicleta com freio a disco? Toma.
Tudo isso com espaço para quatro, mais bagagem, com raios solares passando pelo teto de vidro e sem poluir. Nossa, isso ficou piegas. Mas fazer o quê? É tudo isso mesmo.
É claro que o Taycan tem falhas. O espaço traseiro não é dos melhores. Se você tem bico de papagaio, hérnia ou qualquer tipo de dor crônica nas costas vai sofrer sempre para entrar ou sair dele.
Não há o ronco e nem o cheiro viciante de um bom esportivo raiz. Nada de pipoco saindo do escapamento quando se reduz uma marcha. O preço é alto. A autonomia é baixa para quem tem o pé pesado. O Brasil está engatinhando em relação a pontos de recarga. Mas a verdade é que nada disso importa quando se tem a possibilidade de experimentar o futuro.